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Sobre a polarização política-ideológica no Brasil

por Moisés Morais



Recentemente tem sido recorrente no vocabulário adotado na imprensa, nas redes sociais e nos debates cotidianos a presença da palavra “polarização” para se referir, principalmente, a atual conjuntura política que atravessamos. Mas, a menção deste vocábulo, por vezes, traz subjacente uma omissão das tensões e dos conflitos sociais que se constituíram no passado, mantém-se no presente e poderão persistir no futuro. Estes conflitos não podem ser negligenciados, pois são eles que dão forma e conteúdo às posições díspares que materializam a atual contenda política no país.

Dito isto, enquanto tais conflitos não forem erradicados, ou reduzidos significativamente, a polarização política-ideológica, que já foi vivenciada no passado, tende a continuar existindo no Brasil. Obviamente, que partir desse entendimento não significa um exercício de relativização para minimizar os atritos que tem se evidenciado Brasil afora desde a campanha eleitoral de 2018 envolvendo partidários e opositores do atual Presidente da República. Lembremos dos episódios de violência física, que estiveram relacionados com divergências políticas nesta campanha eleitoral, culminaram, inclusive, em homicídio, como foi o caso, na Bahia, do assassinato do compositor Moa do Katendê. Além disso, não podemos ignorar a ação violenta das forças de segurança do Estado contra manifestações de rua de perfil antibolsonarista. É nítido que tem se intensificado nos últimos anos o processo de polarização politica-ideológica em nosso país, gerando graves violações de direitos.

Porém, diante disso, cabe salientar duas questões. Primeiro, que sob o risco de deslizarmos para uma perspectiva a-histórica, é importante reconhecermos os elementos conjunturais que foram decisivos para que o espectro político de extrema direita saísse de um estado de latência para se tornar algo manifesto, que inflama divergências e radicaliza o conflito político em diversas instâncias da sociedade. Segundo, é um engano considerar que segmentos conservadores e os valores que lhe dão coesão ideológica não possuam precedentes na história do Brasil – temos um passado marcado pela colonização, escravidão e golpes de Estado - ou que não possam retornar com vigor no futuro, na hipótese de que os grupos de inspiração autoritária serão afastados do poder. Então, qual futuro será parido pelo nosso presente? Enquanto não houver a demolição de valores e estruturas que, ao longo do tempo, viabilizam a manutenção de desigualdades de classe, gênero e etnia/raça em nossa sociedade a polarização política-ideológica terá lugar para se alastrar.

Não é obra do acaso que a viabilidade eleitoral que o discurso de extrema direita passou a desfrutar no Brasil tenha ocorrido em um período de agravamento da crise econômica que estourou em 2008. Formou-se uma base de apoio político constituída de parcelas ressentidas da população, composta pela “nova classe média”, que via corroído o seu poder de consumo, e cristãos conservadores cuja coesão foi construída através de um discurso do medo que capitalizava a pauta dos costumes e o rancor antipetista. Nesse contexto de crise, também se associou a esta base de apoio político grandes empresários que cobiçam manter os lucros em uma escalada progressiva, mesmo em um cenário de recessão econômica.. Por isso, é necessário salientar que a polarização politica-ideológica não se desenvolve aleatoriamente. Há grandes interesses econômicos em disputa, não podemos tampar o sol com a peneira. É nessa conjuntura que as elites têm concedido um salvo conduto para a ascensão da extrema direita no Brasil, desde que a agenda econômica do governo esteja comprometida com as suas demandas por acesso aos recursos do fundo público, via gerenciamento da dívida pública, além das privatizações e da redução de direitos sociais e trabalhistas que favorecem a diminuição de custos com a folha salarial.

Se confirmada na eleição de 2022 a troca dos grupos políticos que estão à frente do Governo Federal, não significa que estará anulada a continuidade da polarização política-ideológica no Brasil. Ela pode diminuir a ponto de não ocupar a centralidade que atualmente possui, mas pode emergir outra vez no futuro. Há espaços no mundo real ou virtual, que funcionam como incubadoras constantes para os germes da extrema direita sobreviverem e se multiplicarem quando um cenário propício para sua difusão voltar a surgir. Findada a ditadura militar, em 1985, muitos acreditaram que dali em diante o regime democrático não sofreria retrocessos, apenas seria aprimorado progressivamente. Não foi isso que aconteceu. É importante lembrar essa questão, pois uma das posições que se afirma na atual conjuntura de polarização defende exatamente um revival da ditadura militar.


Moisés Morais é Historiador e Professor. Mestre em História pela UNEB.



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