um ensaio por Moisés Morais
Não se fazem mais golpes de Estado como antigamente, para a frustração de alguns saudosistas reacionários que esperam reviver 1964. A História recente demonstra que tem se reformulado o modus operandi dos golpes de Estado durante o século XXI, vide os exemplos de Honduras, em 2009, Paraguai, em 2012, Brasil, em 2016, e Bolívia, em 2019.
Essa nova modalidade de golpe de Estado, definido por alguns como golpe institucional ou golpe branco, têm se legitimado a partir da reivindicação que a Constituição foi violada, defendendo de forma controversa a manutenção da ordem democrática; emprega um menor uso da violência; adota liderança civil e não opta pela participação ostensiva de uma potência internacional e das Forcas Armadas. Uma nova engenharia política foi concebida devido ao ônus politico legado pelos golpes que implantaram ditaduras militares durante a Guerra Fria.
Nesses golpes institucionais, as Forças Armadas assumem uma posição discreta, mas não se tornam alheias a dinâmica golpista. Historiadores no futuro poderão dispor de dados mais robustos e explicarem qual foi o grau de aliança dos militares com o grupo politico que sucedeu a presidenta Dilma Rousseff após a sua destituição do poder em 2016. Mas a participação no governo Temer do General Sergio Etchegoyen, como ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e a nomeação do General Braga Netto, atual ministro da Defesa, como interventor federal no Rio de Janeiro, em 2018, indicam o consórcio dos militares com o golpe de 2016 e a sua aparição pública na cena politica.
Posterior ao governo Temer, a participação de militares da ativa e da reserva na politica se elevou drasticamente a partir da vitória eleitoral de um capitão reformado do Exército, que conta também com uma base social formada por civis. Essa base de apoio ao atual presidente da República traz consigo uma série de valores reacionários que estavam recalcados e reivindicam intervenção militar como meio para debelar os problemas que em sua perspectiva assolam o país.
É incontestável o afã golpista do presidente, assim como o seu apego ao passado autoritário. Se existisse uma máquina do tempo, certamente ele embarcaria em um regresso até 1968 para substituir Costa e Silva e governar com as prerrogativas do AI-5. Também não seria diferente com relação a parte dos seus seguidores, que, por exemplo, exibem a bandeira do Brasil Império, como que cultuando tempos em que existia escravidão. Esse almejado retorno ao/do passado não é possível, assim como não é factível recompor artificialmente a conjuntura social, ao menos que seja para repetir a história como uma farsa.
Um golpe de Estado pode até ser executado e, ao que tudo indica, o presidente não deixará o poder antes de tentá-lo como uma medida desesperada de sobrevivência política. Porém, a julgar pela realidade que se exibe hoje, é pouco provável que haja condições para que um golpe de Estado seja consolidado, pois a crise institucional tem trazido incertezas que o grande capital não gosta de conviver.
Desse modo, um golpe de Estado pode ser executado, mas dificilmente terá lastro para se sustentar. E não será surpresa, na medida em que o tresloucado capitão se torna um impasse para os grandes negócios e a aprovação no Congresso Nacional de privatizações e reformas demandadas pelo mercado, que se destravem as investigações sobre suspeitas de crimes associados a família Bolsonaro. Se essas suspeitas forem comprovadas, haverá uma desmoralização imensa, desintegrando parte da base de apoio do presidente. Nesse contexto surgirão condições politicas incontestáveis para o impeachment.
Moisés Morais é Historiador e Professor.
Mestre em História pela UNEB.
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