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  • Foto do escritorArmazém na Estrada

Faz de conta

por Paulo Cesar Paschoalini


Outro dia mesmo estava me divertindo, assim meio descuidado, meio distraído, e pelas brincadeiras de infância atraído. Vieram outros dias, outras noites, e, então, o tempo, sorrateiramente, foi levando para longe de mim, dia após dia, o pião que fazia girar as minhas fantasias; as bolinhas de sabão, que eram meu alento, foram desmanchando-se ao sopro do vento. O faz de conta, os pés descalços, as “partidas”, o “bate-bola” nos campinhos de terra batida; as alegres brincadeiras de “esconde-esconde”, me escondiam do mundo adulto, não sei onde. Enfim, até me dar conta que chegou o dia de que esconder já não mais conseguia. Eu não gostei de ter crescido, realmente. Vez por outra eu me perco à minha procura. Eu queria ter de novo aquela estatura, aquela inocência, aquela candura. Não queria esse mundo de loucura, onde a verdade se vai e a mentira perdura. Eu queria ser um menino eternamente. Na verdade sou criança, apesar da aparência, e luto para não ser adulto, com veemência, para não adulterar de vez a minha essência. O pião perdeu-se num mundo que continua a girar, as bolinhas de sabão desfizeram-se de vez pelo ar e nas ruas asfaltadas meus pés calçados vêm pisar. Mas eu sigo brincando de esconde-esconde, contudo, com o tempo que insiste em transformar tudo; faz de crianças alegres, adultos sisudos; Meu corpo de adulto pelo tempo foi esculpido, embora me sinta criança, num corpo crescido, com roupas de adultos, mas espírito despido. Quanto mais ele muda, mais me contraponho, pois muda um reino encantado de sonhos, em um mundo ainda mais infeliz e tristonho. Cresci e não gostei; isso me desaponta. Por isso mantenho esse desejo oculto, insistindo em brincar de faz de conta, “fazendo de conta” que sou adulto.

Paulo Cesar Paschoalini é poeta, cronista, contista e compositor musical.


Comentário do autor: Esta poesia não é uma ratificação à chamada ‘Síndrome de Peter Pan’, que é aceita na Psicologia como uma dificuldade de enxergar-se como adulto, ou a negação dessa condição, justamente na fase madura da vida.

Ao invés disso, é a constatação de estar vivenciando a chamada fase intermediária entre a infância e a velhice, mas desejando, de maneira utópica, regressar cronologicamente a uma etapa considerada feliz, que passou de maneira tão fugaz.

É, de forma silenciosa, lançar mão de palavras que evocam um sentimento que transita entre a melancolia, capaz de ferir, e o consolo da lembrança de momentos alegres vividos pela criança, que ainda habita o nosso ser e que vez por outra socorre-nos de situações que não nos encaixamos, diante de uma realidade que julgamos que não nos serve.

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