um conto por Mariana Paiva
Veio buscar o que, essa menina? Sei não, moço. Só sei que vim. Teve hora que foi que nem sonho, sabe? Que não enxergava um palmo na frente dos olhos. Aí tateava. Me agarrava a qualquer coisinha de nada mesmo, só pra não afundar. Enchia tudo de almofada pra ver se ficava mais macio. Coloria as coisas. Pintava. Pegava um caminho diferente. Dosséis como se fosse princesa. Fechava os olhos e os dias esticavam, pareciam aqueles bichos enormes, não bicho gordo mas bicho fino, um peixe-agulha, um bicho que se você não tiver cuidado ele te machuca. Era assim.
O tempo. E desviando de olhar pras mãos das pessoas quando eu me despedia delas, até logo, até daqui a pouco, sem pensar em dizer adeus, sendo que toda vez o até logo pode ser adeus. Né? Toda vez pode. Eu ali distraindo tudo, encaixando muitos blocos pequenos no bloco maior. Um mar inteiro pelos olhos. Túneis e mais túneis pra chegar a um quinhão de areia e não sentir nada, o lado de dentro tão oco que dava pra ouvir a própria voz. Chovia. Um dia. Outro dia. Nada. Meu maiô preto aquele mar. Não era pra ser bom?
Longe. Uma sucessão de dias, fogos de artifício, carne em brasa. Uns e outros dias de enfim pulsar, conta nos dedos, um dois três é você sendo você mais uma vez. Dá pra rimar a dor? Pegar com a mão o espinho que sangra a pele para manter perto de si a flor
Primavera. Um olhar que desabrocha só porque quer, como as orquídeas da porta de casa: quem quiser olhar que olhe ou então não importa, mas estarão lá, floridas, porque é primavera e não sabem ser de outro jeito agora
Voltar. Porque agora é a hora, e é aqui que é bom ser verão
Mariana Paiva é escritora, jornalista e professora de escrita.
Baiana de Salvador, é autora de cinco livros,
dentre eles: “Vermelho-Vida” (Patua, 2018) e “Canto da rua” (Penalux, 2016).
Acredita no poder dos livros para mudar o mundo.
Está no instagram como @marianapaivaescritora
Comments