um conto por Lodônio de Poiri
O advogado dele entrou primeiro no prédio da rádio. Ele não estava fardado. E retirou um cigarro do bolso. Acendeu calmamente...
Encostado na coluna do jardim, vestido de calça jeans e blusa preta, fumava olhando o céu. Mão direita com o polegar no bolso; demais dedos tamborilando a coxa.
Um colega de estágio na rádio chegou perguntando:
- Sabe quem é aquele? Pediram para encontrar o policial cliente do advogado que está lá dentro.
Era ele. O policial acusado de bandido, tratado como herói e, além de ação criminal, respondendo um processo administrativo disciplinar que na imprensa até ganhou nome, tal como as operações da Polícia Federal: ‘o quinto dia’. Hoje, como parte da estratégia de defesa, o advogado decidiu atender aos pedidos da rádio.
O colega, ansioso, diz no meu ouvido:
- Vamos chamar o cara. – sinalizo para aguardar – Então, você sabe mesmo o que aconteceu?
O acontecimento, segundo pude apurar, foi simples.
Ele estava na guarnição determinada a rondas para neutralizar os assaltos nas imediações das três agências bancárias da cidade. Nesse dia, ele estava na moto. As investigações já indicavam não se tratar de furtos aleatórios. Havia um grupo agindo articulado e selecionando as vítimas. A previsão era inibir os bandidos. Com a atividade ostensiva, difícil o grupo ousar os crimes na redondeza.
Tudo calmo na manhã inteira. Após o almoço, gritaria na porta do banco. Uma mulher bradava “socorre o velhinho, ele está passando mal”.
Uma dupla de policiais desanimados estava próxima ao velhinho chorando no chão. Ele, o nosso convidado de hoje, estava na esquina diagonal. O parceiro da moto ainda almoçava. Ele viu o "velhinho" no chão e recordou das crises do avô doente. Então, mesmo sozinho, subiu na moto e se dirigiu ao local. Tem um detalhe que eu soube: quando ele era menino, em um acidente automobilístico morreram o pai, a mãe e o avô materno. Então, os avós paternos convidaram a avó materna para residirem juntos no sítio. Ele foi criado pelas duas idosas e o avô doente. Daí, cresceu e virou lenda: “quando ele está de plantão, ninguém pode incomodar velhinhos”. Consta indicação de acompanhamento psicológico devido algumas ocorrências.
Enfim, a movimentação entre os gritos de socorro e a aproximação dos policiais foi cena rápida. As pessoas diagnosticavam epilepsia, infarto e outros males. Mas os policiais, antes de solicitar ambulância, indagaram o velhinho choroso em soluços. Enquanto isso, a viatura e outra moto percorriam o perímetro, em meticulosa lentidão.
- É o quinto, é o quinto dia...
As mãos trêmulas e a respiração ofegante. O idoso não conseguia se levantar.
- É o quinto, é o quinto dia...
Enquanto aguardavam a ambulância, os policiais, suspeitando de assalto, tentavam obter alguma informação do cidadão em transe. A única inferência restringia a data no quinto dia útil do mês. Inesperadamente, o choro cessou. O corpo senil inclinou apontando para a escadaria da porta da agência bancária:
- Ali, aquele branquinho de azul. Meu quinto dia está naquela bolsa preta.
Todos compreenderam o assalto da aposentadoria. Alguns transeuntes recuaram às paredes enquanto outros caçavam o “branquinho de azul” veloz abraçado à bolsa.
Ele observou os movimentos do assaltante. Percorreu caminho inverso com a moto. Quando o “branquinho de azul” notou o policial no seu rumo, alterou o percurso e correu na travessa larga próxima às ruas da praça central. Nessa travessa, o acesso fácil para os matagais de fazendas que margeiam a pequena cidade.
Ele parou a moto. Sacou a arma. Lembranças do velhinho gritando “o quinto dia”. Lembranças dos dias em que acompanhava os avôs para sacar dinheiro no banco. Esquecimento de todas as normas. Esquecimento de todos os critérios. Disparou.
Dois tiros alvejaram o “branquinho de azul” nas costas.
A multidão zumbia como marimbondos. Ele passou com a moto ao largo da viatura e gritou:
- Tenente, depois eu respondo.
Sumiu.
- Que loucura. – suspira o estagiário. – Como ele fez uma merda dessas... E agora? Como ele fez isso? A vida dele? – nesse momento ele olha para nós e diz “bom dia”, segue rádio adentro.
Vocês acham que ele está preocupado com isso?
Lodônio de Poiri é poeta e escritor. Um epicurista anarquista e vice-versa
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