por Moisés Morais
O Covid-19 é um vírus que sobreviveu à seleção natural e que tem no ser humano um organismo vivo propício para a sua reprodução. Por sua vez, o fato desse processo biológico ter desencadeado uma doença viral que alcança um patamar pandêmico está relacionado a determinadas condições econômicas, sociais, culturais e históricas que estão postas na atualidade, as quais proveram um modo de organização social marcado pela ampla densidade demográfica nas cidades, concentração populacional nos locais de trabalho e estudo, assim como o grande deslocamento dos indivíduos em uma espacialidade global.
Esse contexto torna a reprodução do vírus Covid-19, enquanto fenômeno biológico em si, algo com grande potencial destrutivo, inviabilizando a manutenção de rotinas comuns nas formas de reproduzir a vida contemporaneamente e que demandam a constituição de aglomerações humanas - muito embora, negacionistas, por oportunismo ou estupidez, defendam o contrário. Diante disso, instituições de ensino se constituem como locais de grande vulnerabilidade para que a transmissão do vírus se desenvolva de forma intensa, aumentando, ainda mais, o gravíssimo problema de saúde pública que estamos atravessando. Desse modo, a suspensão das aulas presenciais se tornou algo imprescindível. Em compasso a essa medida, também tem emergido discussões sobre a necessidade do retorno às aulas, sejam elas no espaço escolar ou em caráter remoto.
Não cabe discordar de que, apesar na premência de cumprirmos medidas de distanciamento sanitário, é fundamental possibilitar a retomada do processo de escolarização. Porém, o modo como isso vai acontecer tem sido objeto de desacordo. Nesse debate, a defesa do retorno das aulas no espaço escolar é a postura mais inconsequente de todas elas. Essa postura reflete um forte desprezo pela vida alheia e tem sido vocalizada, principalmente, por representantes políticos que visam o eleitorado conservador ou empresários da rede privada de educação em cujo peito bate uma máquina de calcular.
Posições mais responsáveis têm reivindicado o retorno às aulas a partir do Ensino Remoto. No entanto, para evitar resultados indesejáveis, a opção pelo Ensino Remoto também tem que ser tomada com criticidade, levando em consideração a complexidade que a realidade apresenta. Não existe um manual pedagógico pronto para lidar com uma situação imprevista como a que se apresenta atualmente.
Diante desse panorama, a postura mais consequente é somente avalizar a retomada de aulas no ambiente escolar somente quando estiver disponível vacinação contra o coronavírus. Enquanto isso é possível adotar, momentaneamente, o Ensino Remoto até que não seja mais necessário manter o distanciamento sanitário. Assim, a retomada de atividades pedagógicas se daria através da implementação de um calendário acadêmico suplementar, facultando-se para estudantes possibilidade de participação. Dessa forma, será possível não punir estudantes que não têm acesso ainda à internet ou equipamento de tecnologia digital para acompanhar as atividades de ensino desenvolvidas remotamente.
É importante ter consciência também que essa será uma medida que tem capacidade somente de compensar o afastamento dos estudantes da sala de aula, por força da pandemia do coronavírus. Não é possível transpor o ensino presencial, tal como ele acontece, para o formato remoto. Além de muitos (as) estudantes não terem acesso à internet, haverá uma incapacidade muito grande para identificar eventuais dificuldades de aprendizagem, pois educadores (as) e educandos (as) não estarão no mesmo espaço físico. Não tem jeito! A distância é antipedagógica. Cabe reconhecer essa questão e enfrentar o momento com a cautela e a responsabilidade que ele exige para evitar aprovação sem que uma aprendizagem satisfatória tenha se constituído, assim como reprovação para quem não teve oportunidade de receber orientação docente.
Não tem jeito! A distância é antipedagógica. Cabe reconhecer essa questão e enfrentar o momento com a cautela e a responsabilidade que ele exige
Ao mesmo tempo, tem que existir uma vigilância cidadã para que o Ensino Remoto não venha para ficar. O Ensino Remoto tem que ser uma solução temporária para atender a demanda que se impõe no momento, em função da impossibilidade de estudantes frequentarem a sala de aula. Mas, tão logo cessem as restrições de ordem sanitária, o ensino presencial dever ser retomado. Todo cuidado é pouco para evitar que oportunistas de plantão não aproveitem para “passar a boiada” e lucrar milhões e milhões com venda de tecnologias educacionais e outras engenhocas que prometem substituir o trabalho docente nas escolas e universidades. Não desprezemos essa questão, o lobby dessa turma conseguiu influenciar recentemente na mudança da legislação educacional brasileira, visto que passou a ter previsão legal a oferta de parte do Ensino Médio via EaD. Por isso, é fundamental ter um olho aberto e o outro arregalado para que o momento delicado da pandemia não seja utilizado para a subordinação dos governos aos interesses privados, de modo que permitam a sangria do dinheiro público para a contratação de assessoria pedagógica, produção de material didático, plataformas de ensino etc.. que podem ferir de morte o direito à uma educação de qualidade.
Mas o Ensino Remoto é o que temos pra hoje. Implementá-lo em caráter extraordinário se faz necessário e mediante uma tarefa continua de aprendizado para docentes, estudantes e todos que fazem a educação. Sem idealizar a realidade, mas reconhecendo a sua dramaticidade, é que construiremos régua e compasso para lidar, do ponto de vista pedagógico, com uma situação inédita como a que estamos vivenciando, mesmo que caiba todo o empenho para que ela esteja superada ou mais breve possível e torcendo, evidentemente, para que não haja a sua repetição.
Moisés Morais é Historiador e Professor. Mestre em História pela UNEB.
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