um ensaio por Clarisse da Costa
Eu não me via aquelas princesas da Disney quando nova, até mesmo porque a realidade sempre dizia que meninas negras jamais podiam ser princesas. Nem sequer tínhamos tempo para sonhar. Comecei a sonhar lá aos 13 anos. Mas meu objetivo maior foi aos 15 anos, quando quis ser escritora. Nessa jornada eu entrei em guerra comigo e com as pessoas ao meu redor. Mesmo havendo tantas negativas no decorrer do tempo eu não deixei de crer nessa possibilidade.
Escrever não era estranho para mim, estranho era não ver mulheres negras na literatura. Se existia na época eu não tinha conhecimento. Quando paro para pensar em tudo, muitas coisas passam pela minha cabeça. Custo a crê na mulher que floresceu em mim. Foi tanta opressão de todos os lados que eu pensei que a sociedade fosse me moldar. Pensei como seria o meu cabelo liso, se eu seria bem aceita…
Tive um período de raiva, não queria saber mais do meu cabelo, estava difícil cuidar. Eu me sentia sozinha sem os amigos. A solidão parecia bater na minha porta. Primeiro que namorar estava difícil e ainda continua sendo. Trançar o cabelo foi a melhor forma, preso era como se eu me escondesse e ninguém mais pudesse me ver. Eu queria ser invisível, pelo menos a cor da pele não ia fazer a diferença, o meu corpo fora dos padrões não ia ser julgado.
Nossa, até parece um exagero meu! Mas não é exagero e nem lamento, a mulher preta já nasce oprimida. A boneca é branca, as princesas todas são brancas de cabelos bem lisos, nos comerciais 5 crianças brancas e uma preta como atestado de que não existe racismo no Brasil, e sim uma democracia forte.
Nas minhas lembranças ter um diário era coisa para menina branca. O que uma menina preta tinha para escrever de tão importante? Eu ouvi inúmeros questionamentos quando ganhei o meu primeiro diário. E eu só queria escrever. Acho que já ali nascia em mim essa escritora que eu sou e também a necessidade de pôr para fora todo o medo e angústia. Mas quando você começa nesse meio, que é uma jornada de vida difícil, você começa sem apoio e literalmente sozinha. É um mundo estranho para muitos principalmente para a família. Eles entendem como trabalho, aquilo que dá estabilidade para alguém como a carteira assinada, onde você pode receber o seu dinheiro todo fim do mês.
Fazer a sua própria escolha, seguir o seu caminho requer muita coragem ainda mais se você for mulher preta. Porque nesse processo de aceitação vem a rejeição e os medos, que bem sabemos que não são poucos. Aí é a hora de aprender a ser forte mais do que o normal. Pois ser mulher preta é ter que o tempo todo se posicionar e não abaixar a cabeça para a sociedade e o núcleo familiar. Não pense você que a opressão não existe no meio familiar. O caminho mais difícil parte daí.
A literatura me trouxe a chance de me conhecer, descobrir a minha capacidade e também me aceitar. Através da escrita um mundo de possibilidades se abriu para mim. Eu esqueci das minhas limitações e fiz questão de mostrar a todos que o céu é o limite para mim.
Clarisse da Costa é poetisa e cronista em Biguaçu-SC
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