por Lodônio de Poiri
1-
Paletós, casacos, gravatas e opiniões.
A mesa é fornalha de perspectivas.
Jarros, copos, bandejas e ambições.
Um enfadonho cover de Oscar Wilde sorri
para a falsa donzela que recita Castro Alves.
Um caçula abolicionista ironiza os sufrágios.
- Em toda eternidade, os jovens pulsam transgressão.
As medidas da anfitriã senhora filantropa
revoga o limbo dentre as sinhás:
- Eles entregam muita fé nessa nova religião!
- Calma, essa democracia é um maneirismo da época.
- Meu esposo embala a contradança dos sufrágios.
- Moças longe do himeneu, sonham no píncaro dos votos.
- Oh, Jeová! Em qual versículo ordenas votações?!
- Será que a senzala escolherá os capitães-do-mato?
- Repudio sufrágio para definir minhas mucamas.
- Oh, não! Na balança das décadas acumulam sufrágios...
A anfitriã eleva os cabelos:
- Nos séculos vindouros, obrigadas seremos
a votar num club de sinhás?!
2-
Nos acúmulos seculares,
um caçula afrodescendente
balbucia no Pelourinho
as rimas do ‘Negro Drama’* -
talvez, de resposta, alguns gramas
à enigmática pergunta das sinhás:
- A senzala escolherá o capitão-do-mato?
No mesmo largo colorido
onde, no pesado ano de 1888,
outro efusivo afrodescendente,
balouçando o badalo de cobre,
anunciava os novos tempos:
“A escravidão findou.
A princesa, escravos libertou.
Caminhos são horizontes...”
E sussurrando aos festejantes:
“Vosmecês podem sair da senzala,
mas a senzala jamais sairá de vosmecês”.
3-
Enquanto as mucamas recolhem,
a sinhá do engenho doce, afeita a versos,
o seu ‘Diálogo dos Séculos’ recita:
“Na balança dos tempos, definido foi:
averiguar o voto enquanto panaceia.
Qual alegria imperial na interceptação:
- Saudações, século XX...
Aqui é o século XIX.
O sufrágio venceu os tempos?
A senzala já escolhe o capitão-do-mato?
- Saúde, século XVI e toda plêiade...
Aqui é o século XXI...
Muito embora as sazonalidades,
a senzala vota, sim:
escolheu o dândi abolicionista
filho da sinhá filantropa”.
Risos de amoras dentre as convidadas no salão.
Lodônio de Poiri é poeta e escritor. Um epicurista anarquista e vice-versa
[1] Negro Drama: título de canção do grupo de rap “Racionais MC’s” gravada no álbum “Nada como um Dia após o Outro Dia” (2002).
Comentarios