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Foto do escritorArmazém na Estrada

A invasão silenciosa das palavras

um ensaio por Paulo Cesar Paschoalini


OBS: texto escrito em 2015. Nesses últimos seis ou sete anos novos termos foram incorporados e já se tornaram comuns à nossa vida.

Quando observamos a história, constamos que ela é escrita pela ótica dos conflitos entre povos, que desenharam a geopolítica existente, estabelecendo as fronteiras dos dias atuais. Toda vez que um povo era conquistado, o vencedor impunha a todo custo sua cultura, religião e costumes, além do idioma.


Não é novidade que termos oriundos de outros países fazem parte do linguajar brasileiro. Muitos foram aportuguesados, sofrendo pequenas alterações para se adequarem ao idioma. Para ilustrar, do latim originaram palavras como estilo, item, lucro e ônibus; do árabe, açougue, açúcar, alfaiate, algodão, arroz e garrafa; do italiano, aquarela, banquete, boletim, camarim, maestro e tchau; do francês: abajur, dossiê, garçom, menu, e toalete. Entretanto têm muito mais.


A língua inglesa também se faz presente. O chamado “anglicismo” é a introdução de termos em inglês no nosso idioma, para designar objetos ou fenômenos novos ao nosso vocabulário. Mas alcançou enorme proporção após o advento da informática. Por exemplo: internet, facebook, whatsapp, back-up, blog, CD, display, download, e-book, e-mail, fake, hacker, happy hour, hashtag, interface, link, login, mouse, net, notebook, no-break, off-line, on-line, pixel, playlist, podcast, press, print, scanner, site, smartphone, software, spam, tablet, touch screen, twitter, wi-fi e word, entre muitos outros.


A princípio somos levados a acreditar que o contato com palavras estrangeiras se dá somente quando estamos às voltas com o ambiente de estudos ou trabalho. No entanto, vejamos abaixo a descrição de um momento de lazer em nossa rotina. As palavras estrangeiras, de várias origens, foram grafadas em itálico:


Depois de ir ao Shopping e pagar com meu CARD, passei pelo pedágio com minha pick-up, flex com airbag, recebi o ticket e saí para curtir o réveillon com a família. Não precisa ser expert para ver que o hotel era top, bem classificado no ranking do segmento, padrão Spa, tratamento VIP, ideal para um relax. Tudo conforme o marketing que constava no outdoor (ou, billboard) sobre o Resort.


Após o check-in, fizemos um tour, até a liberação do quarto. Era tipo standard, com um hall para acesso a dois ambientes, de layout muito agradável. Num deles, uma cama box, ladeada por um abat-jour de design moderno e um poster com cores em dégradé, no alto da parede. Ao lado, uma minicozinha com frigobar e cooktop com timer.


No período da tarde, peguei meu kit de fitness: tennis, short de nylon e camiseta de poliester, para atividade indoor. O monitor agia como um personal trainer, ajudando a melhorar minha performance. Em seguida, fui até uma piscina com ondas, parecendo praia de surf, com pessoas exibindo tattoo e piercing.


Para quem estava acostumado com sandwich de hamburger ou hotdog com katchup, do menu do trailer da esquina onde moro, ou food delivery do Disk-pizza, a comida do jantar era o must. O garçon serviu o couvert, com croissant e pâté. Bebidas free, já que era all inclusive, podendo abusar de drinks e cervejas long neck, ao invés de refrigerantes diet. Comidas no sistema self-service, com grill à vontade.


Durante o jantar, músicas light e em seguida um show com pot-pourri de ritmos country, pop e funk. No final da noite, flash night para quem gosta de rock, realçado pela qualidade de back vocal e luzes de neon, led e laser. As apresentações cover, com o look correspondente, foram o up da noite.


Após esse período fora do meu habitat, meu feeling me diz que esse upgrade foi essencial, antes de eu dar um feedback ao cardiologista, que me alertou sobre fazer um check-up, para ver se está tudo OK comigo. Espero que ele me receite um replay disso tudo.


Como podemos observar, são expressões que já fazem parte do nosso dia a dia. Para alguns linguistas isso representa uma evolução. A quem diga se tratar de uma invasão silenciosa das palavras, ou uma sutil colonização através de uma nova cultura. Eu costumo dizer, de maneira jocosa, que a língua falada no Brasil sofreu tanta influência de termos estrangeiros, que até mesmo o livro de definição de suas palavras, o Dicionário “Aurélio”, é “de Holanda”.


Temos que ficar on-line com as novidades, para não nos vermos off-line do mundo.

Thank you e goodbye.

The end.


Paulo Cesar Paschoalini é poeta, cronista, contista e compositor musical.

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