Lodônio de Poiri
Enquanto na terra das sete colinas,
sob o cerco de um vírus,
balouçam varandas canoras;
o Chifre da África declina
das históricas dores
diante das nuvens devastadoras:
gafanhotos maledicentes
comem a comida
dos gados e das gentes.
Nenhum canto planetário
pode ecoar o balancete africano
de tantas perdas acumuladas.
O globo já era um aquário
transbordando insólitos temores
nas bordas ditas delineadas.
Sentado na minha varanda
ouvi todos os ecos da cidade:
- covid, covid, covid!
Era dia luminoso
e todos os velhos tossiam:
- covid, covid, covid!
O entardecer não chegava
e as crianças peraltas adoeciam:
- covid, covid, covid!
O aquário da humanidade marulhava em ondas:
- covid, covid, covid!
No ocaso, lembrei-me de cada seixo dragado nas marés...
... quando ela surgiu envolta em colares!
Nenhuma nota musical era audível.
E ela suavemente caminhava no telhado.
Não mais cogitei
se o ataque dos gafanhotos
vedou a Operação Liberdade Duradoura:
Ela dança nas telhas!
Na Criméia, o vírus apaziguou russos e ucranianos?
Ela dança nas telhas!
Na Caxemira, o vírus apaziguou paquistaneses e indianos?
Ela dança nas telhas!
No Bornéu do Norte, o vírus apaziguou filipinos e malaios?
Ela dança nas telhas!
No nordeste brasileiro, a pandemia igualou os balaios?
Ela dança nas telhas!
Ontem, o sol, sem vírus, aqueceu a pobreza em cada povoado caribenho?
O silêncio que embala a dança
é interrompido pela sirene.
Policiais aglomerados exigem que a solitária dançarina encerre...
O que eles sabem do cotidiano do Baluchistão?
Ela dança nas telhas!
O que eles sabem do meu encantamento vetado?!
Ela dança nas telhas!
Como agiriam vivendo diariamente na Síria?
Ah... Ela dança nas telhas
e unificaria as etnias de Myanmar ou do Sahel!
Tolos corrompem o silêncio
enquanto o vírus se propaga e...
Ela dança nas telhas!
Perdurarei minhas horas na varanda
olhando para o telhado vazio.
A espécie humana será modificada:
Sísifo contempla.
A alma de Epicuro sussurra na minha embriaguez:
“é preciso rir e ao mesmo tempo filosofar”.
(março/2020 - Lodônio de Poiri é poeta e escritor. Um epicurista anarquista e vice-versa)
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